Sagrado Coração, Missão de São Miguel

.



É a obra do artista Carlos Vergara que rouba a cena e estampa a primeira página do Segundo Caderno - Jornal O GLOBO de hoje. As monotipias de Vergara não só encantam como ilustram o invisível capturado na arquitetura monumental da Igreja São Miguel Arcanjo do Rio Garnde do Sul. Trabalho esse desenvolvido num projeto que utilizou como procedimento para sua criação, "imprimindo" em seus lenços e telas as formas da superfície da Igreja, que posteriormente são impregnados de pigmentos diversos. Quem ainda não teve a oportunidade de conhecer a obra de Carlos vergara... com certeza é um BELO momento.


Da Pintura e do Sagrado – a contradança da ternura
Por Luiz Camillo Osorio


Carlos Vergara é um pintor. Carlos Vergara também é um viajante. Ele viaja para pintar, buscando no deslumbramento do ver pela primeira vez a força motriz da sua poética visual. Daí a intensidade e a multiplicidade. O deslumbramento requer intensidade para que o sobressalto, típico do susto admirado diante do novo e do Outro, não se faça excessivo ao se transpor em obra. A intensidade é conquistada no trabalho de ateliê, no lento ofício do gesto, da pincelada da mão-olho-pensamento. O exercício do pintor contemporâneo é uma espécie de superação da técnica, do saber-fazer, da destreza. Supera-se o virtuosismo em busca do poético. Só assim, ainda advém algum deslumbramento. A multiplicidade, por sua vez, vem do fato de Vergara transformar cada viagem, cada paisagem, cada topografia, todo detalhe de um mundo carregado de afecções, em uma nova maturidade artística. Seja na fotografia, seja nas monotipias, seja nas telas, o mundo percebido é apropriado, transportado, retrabalhado e reinventado. Sua pintura parece estar sempre mudando, mas só assim ela se torna disponível ao que é próprio de cada situação. Uma questão importante no artista viajante é esta disponibilidade para o outro, o cuidado com as diferenças. Como escreveu Ovídio no século I da Era Cristã, “tudo muda, nada desaparece”. Mudar para revelar e permanecer. A metamorfose é uma forma instável, pois atravessa pelas mutações do tempo e do sentir. O que tinha sido visto no local por onde passou o artista é revisto, como se fosse a primeira vez, na superfície da tela ou nas palpitações das fotografias em 3D. É fundamental não confundir os motivos de viagem com algum fator ilustrativo da obra. O pretexto não determina o texto, nem o visto, o visível. Na verdade, pela obra se refaz a viagem. Não se trata de reproduzir o que estava lá, mas de se fazer do deslumbramento um acontecimento pictórico. A viagem, no fundo, é uma metáfora para o fazer poético – ir em busca.
[...]
As cores de Vergara saem da natureza, da Terra, dos pigmentos minerais, mas se dispõem a uma sensualidade que não teme o incêndio da fantasia pictórica. Sem o recurso de uma visualidade extrovertida, o relato se tornaria de mão-única, subtraindo a imaginação do ato de ver, confundindo-se criação com reprodução. Reconduzir-nos para este momento absolutamente original de encontro e conversão requer a multiplicação dos afetos e polêmicas visuais – daí Vergara lançar mão de vários meios simultaneamente, combinando a pintura, a fotografia, o filme, as monotipias, entrelaçando formas de sentir variadas. Em um pequeno texto do ensaísta português Eduardo Lourenço sobre o maior de todos os aventureiros-escritores que chegaram ao Oriente no século XVI, Fernão Mendes Pinto, ele observa o deslumbramento diante do Outro, do jamais visto e percebido, que assoma nas páginas de Peregrinação, um relato que é do mesmo tempo história e ficção, onde a fantasia e o real parecem uma única e mesma coisa. A certa altura, Lourenço escreve: “o único fio que liga o texto ao real é o entrelaçado ou contradança dos sentimentos idealizados que anunciam a geometria do coração do Mapa da Ternura”. Era isso que eu gostaria de observar nestas pinturas, fotografias, monotipias de Vergara na Missão de São Miguel: uma contradança de sentimentos, uma geometria do coração, um mapa da ternura. Voltando ao que falava anteriormente sobre a operação poética de Vergara, há nela uma necessidade de buscar os meios adequados para revelar algo não sabido, mas sentido. Mudar sempre para revelar o desconhecido. Deixar a multiplicidade de vozes e afetos encontrar uma intensidade poética própria para cada situação. A contradança dos sentimentos fala da multiplicidade de meios. A geometria do coração é o que transforma o sentir de todas as maneiras, típicas do encontro com o Outro, numa visualidade intensa e destemida. O mapa da ternura é a brecha disponível por onde uma experiência do Sagrado pode ganhar um vestígio de atualidade. Vestígio este que assoma nos fios esticados pelo artista e que preenchem e habitam o vazio nas ruínas da Igreja de São Miguel. Na monotipia que carrega o coração de pedra no lenço branco de uma inocência perdida. Nas cores, nas muitas cores que vemos nestas telas, em sua opacidade mineral que nos abre para uma profundidade, quase delirante, que absorve o silêncio de uma utopia de conversão. Conversão por afetos e não por palavras, daí a relevância da pintura e da ternura que resplandece na superfície das telas, nas passagens vertiginosas de luz e planos.





Exposição de Carlos Vergara
8 de maio a 27 de Julho de 2008.
Paço Imperial - Rio de Janeiro


Comentários

Carlos vergara, fabuloso, amei a mo notipia. Fiz postagem nove, apareça lá, será muito bem vinda

Postagens mais visitadas deste blog

Ilhas de Conhecimento

Vem Comigo... Que no caminho eu te explico!

Ritidoplastia - uma enorme complexidade naquilo que posso denominar: “quem sou”